Tributo à serenidade

Os animais adaptam-se muito mais facilmente às adversidades que os humanos porque não lembram do ado. Em determinado momento de ‘Ruth & Alex’, do diretor Richard Loncraine, o espectador depara-se com esse comentário. Ele surge quando o casal do título, vivido por Diane Keaton e Morgan Freeman, discute os problemas de saúde de sua cachorrinha de estimação, que sofre as consequências da idade. Aparentemente banal, a fala ganha importância no contexto da história quando se vê que o filme todo ecoa saudosismo, faz alusão ao conflito existente entre encarar o presente e recordar-se de momentos notáveis (simples, mas notáveis) que não voltam mais. ‘Ruth & Alex’ está cheio de flashbacks que escancaram essa dualidade.

Do início ao fim, a narrativa expõe o casal do título negociando a venda do apartamento no qual ambos moraram por 40 anos. O plano é comprar um novo imóvel com elevador, uma vez que, com o ar dos anos, vencer os degraus não é mais uma tarefa fácil. É intensa a referência à dificuldade de vencer as escadas, uma metáfora abrangente sobre os desafios trazidos pela idade que avança, sejam eles físicos ou psicológicos.

A negociação permanente, constante, insistente que se vê no decorrer das cenas, com pessoas indo e vindo e demonstrando graus diferentes de interesse na aquisição do imóvel, além de valores sendo discutidos a todo momento, ora maiores, ora menores, traz uma dose considerável de caos na vida do casal que, após quatro décadas de um casamento feliz, almeja, na verdade, manter (ou aprofundar) o estágio de placidez alcançado. É aí que eles devem perguntar-se até que ponto querem mesmo ou não desfazer-se do apartamento impregnado de história pessoal.

O filme pode não ser uma experiência impactante para muitos, uma vez que é preciso garimpar com cuidado, em todas as cenas, pequenas relíquias que se perdem sob a ilusão de banalidade. Sim, ilusão. ‘Ruth & Alex’ é, em sua essência, uma estupenda homenagem à serenidade.